Direito Laboral Desportivo
:: artigo publicado no jornal Vida Económica de 03/03/2022, disponível em https://www.vidaeconomica.pt/ ::
As federações desportivas são detentoras de uma exclusividade que lhes é dada por lei, sendo por lei que lhes é atribuída competência para promover uma modalidade desportiva, representar essa modalidade e os seus afiliados perante o Estado e perante organizações internacionais.
Para que uma federação possa estar sob a égide da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto tem que ter o estatuto de utilidade pública desportiva. As federações assim configuradas, exercem os poderes públicos que lhe são conferidos por lei.
E, ao exercer poderes públicos, impõe aos praticantes desportivos que, sempre que exerçam a sua actividade enquanto profissionais, realizem provas de aptidão física, vulgarmente designados de exames médicos, algo que constatamos sempre que se abrem as denominadas janelas de transferências de jogadores. Sem a realização e prova de aptidão física, o praticante desportivo não pode participar em competições desportivas sob a égide dessa federação.
Por outro lado, além da questão clínica, o praticante desportivo só pode participar em competições desportivas quando o seu contrato de trabalho estiver registado na respectiva Federação. A partir do momento em que outorga o contrato de trabalho desportivo, só pode participar na competição desportiva depois de efectuar o registo nessa federação. Não havendo registo prévio, não pode competir.
Mas bastará o registo prévio? Não. Com efeito, o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo (RJCTPD) só permite que compita se for registado previamente o seu contrato na Federação a quem for atribuído o estatuto de utilidade pública desportiva (UPD).
Então o que sucede se um praticante desportivo quiser participar em competições promovidas por uma federação a quem não tenha sido reconhecida a UPD ou a cuja federação tenha sido retirada esse reconhecimento? Não poderá competir? Aconteceu recentemente entre nós no domínio de artes marciais.
A Portaria n.º 345/2012, de 29 de outubro, que aprova o modelo de requerimento que deve ser utilizado pelas Federações para pedir a atribuição do estatuto de UPD, refere que a Federação portuguesa tem que estar filiada na Federação Internacional ou estar em vias de estar filiada. No caso, por isso, de uma federação em Portugal que tenha sido afastada pelo organismo internacional, será que lhe pode, ainda assim, ser concedido o estatuto de UPD? E não tendo UPD, o praticante não pode registar o seu contrato? É uma questão que tem ficado por responder e à qual o legislador não dá resposta.
Para competir, o praticante deve certificar-se que o seu contrato de trabalho desportivo (ou qualquer alteração que se verifique durante a vigência do contrato) é registado numa Federação com estatuto de UPD e a entidade empregadora deve fazer prova dos exames médicos do praticante e ter subscrito apólice de seguro de acidentes de trabalho – caso não suceda deste modo, o registo, cuja eficácia é declarativa, não poder ser efectuado e o praticante não pode competir.
De notar que sempre que exista a falta de registo, presume-se haver culpa exclusiva da entidade patronal (presunção, esta, iuris tantum e, como tal, elidível). A necessidade do registo emana não apenas da lei nacional, outrossim das obrigações internacionais a que as federações nacionais estão vinculadas.
Não obstante a regulamentação existente a nível nacional, é de observar que as instituições internacionais do desporto acabam por desenvolver as suas próprias normas e a obrigar as federações nacionais a observarem o enquadramento internacional (a Lex Sportiva, enquanto direito não estadual e de natureza privada, corresponde a valores que vão além daqueles que são emanados de um país em concreto e, na hierarquia normativa, passam a valer mais do que o Direito que cada Estado consagra) e a entrarem em confronto, muitas vezes, com o previsto no ordenamento jurídico nacional. Veja-se o caso da decisão por parte de um tribunal espanhol a propósito da Superliga Europeia.
Na verdade, estamos, muitas vezes, diante de verdadeiros sistemas jurídicos fora dos sistemas estaduais que, no fundo, vão influenciar os sistemas estaduais e internacionais. Os fenómenos da Internet ou da moeda digital (Bitcoins) são dessa realidade caso paradigmático. Mas sobre o impacto do mundo digital no desporto e, em particular, na relação laboral desportiva se fará brevemente nova reflexão.
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